Organizada por Thomaz dos Mares Guia Braga
» MUNDO ANTIGO
Tão longe quanto se remonta no tempo, os vestígios do homem na Terra são marcados por armas, por instrumentos ou pelo resultado da ação do fogo.
“Cerca de dez a vinte mil anos antes da nossa era, a retirada dos últimos glaciares teve como consequência na Europa o estabelecimento de um clima temperado.
“Enquanto desapareciam os animais ferozes, os homens começaram a estabelecer-se fora das grutas e das cavernas, a praticar a agricultura e a domesticar animais. O período correspondente, chamado Período Neolítico ou Nova Idade da Pedra, é aquele em que se constituíram as bases técnicas das nossas civilizações.
“O Período Neolítico é caracterizado por uma considerável extensão das técnicas primitivas. Estas são a partir de então aplicadas a gêneros de vida novos e têm de satisfazer necessidades variadas.” (1)
As transições de um grande período histórico para o seguinte são sempre graduais, e assim foi a transição da Idade da Pedra para a Idade dos Metais. O cobre era utilizado no Oriente Médio já no quinto milênio antes de Cristo, e talvez também no Egito. O bronze apareceu no Oriente no quarto milênio, e pouco mais tarde no Egeu, mas não surgiu no mediterrâneo ocidental antes do terceiro milênio a.C.
“Todos os povos da Idade da Pedra Polida (Neolítico) tiveram um embrião de metalurgia. Mas isso não quer dizer que todos tenham tido, desde essa época, conhecimento das técnicas metalúrgicas. Na realidade fizeram uso acidental de metais nativos, especialmente o ouro.
“A metalurgia é uma síntese; pressupõe o uso coerente de um conjunto de processos, e não a prática de um instrumento único. A sua verdadeira origem é desconhecida. Com efeito, a forja põe em jogo as percussões (martelo), o fogo (fornalha), a água (têmpera), o ar (fole) e os princípios da alavanca.
“No início a raridade dos metais era tão grande que só eram forjadas armas. A utensilagem corrente continuava a ser de pedra ou de madeira. Por isso, o cobre, o bronze e o ferro não vieram suplantar brutalmente a pedra. Instrumentos de pedra e instrumentos de metal coexistiram até o início dos tempos históricos e, em certos casos, até os nossos dias.
“O desenvolvimento da civilização desde o período neolítico prossegue através de uma série de ‘culturas’, caracterizadas cada uma delas por um conjunto mais ou menos definido de técnicas fundamentais.
(…) “O início das civilizações antigas está estreitamente ligado ao progresso dos trabalhos agrícolas. Surgem as (…) ‘cidades’, que o trabalho das aldeias alimenta. Estas cidades dirigirão o comércio, a indústria, a vida social, fixando as tribos. Assim se edificaram, em bases pastoris e agrícolas, as civilizações dos grandes impérios. (…) A ceifa fez-se primeiro com foices de madeira ou de barro providas de dentes de sílex, muito cortantes, e depois com foices metálicas.
(…) “O uso do cobre, depois do bronze, em seguida do ferro, vai-se definindo pouco a pouco na evolução destas culturas, sem introduzir uma brusca modificação.
“Baseada nesta herança, a Antiguidade construirá brilhantes civilizações. Estas ensinarão ao homem a arte de julgar as suas próprias obras, mas não transformarão as suas bases técnicas. Só a Grécia, por meio das suas invenções, conduzirá a humanidade por uma nova via, a via da ciência e das suas aplicações, prodigioso desenvolvimento das inspirações primitivas do homem técnico.
“O Egito, como a Mesopotâmia, a Índia e a China, foi um foco de civilização, isto é, um centro de cultura humana superior. Semelhantes centros favoreceram sempre o progresso das técnicas antigas e frequentemente iniciaram mesmo técnicas novas. Os progressos da metalurgia, e especialmente da metalurgia do ferro, são disso um exemplo.”(2)
“Durante parte do período de florescimento das culturas egípcia e mesopotâmica, outras civilizações se desenvolveram na meso-América – isto é, na área hoje correspondente ao México e algumas regiões da América Central.
“Entre 800 e 400 a. C., o centro Olmeca mais importante situava-se em La Venta, em Tabasco (a sudoeste da atual Tonala). Nessa época, a cerâmica era mais elaborada, e se organizaram alguns locais de comércio para a importação de jade, minério de ferro, cinábrio (principal minério do mercúrio), a serpentina mineral e outras mercadorias, mas não se conhecem bem os detalhes quanto aos usos desses materiais. Há um fato interessante revelado pela escavação arqueológica: a presença de um tipo de colar feito de pequenos espelhos côncavos de ferro, tendo cada um um pequeno furo no centro.” (3)
Os Andes Centrais foram o berço de outro grupo de civilizações. Mesmo sem contato direto com a América Central, o desenvolvimento era semelhante. A principal diferença tecnológica era que os povos andinos descobriram como trabalhar ouro, prata e cobre, que usavam em utensílios e joias.
“Mesmo nos estágios mais antigos da civilização Inca, a maior da América do Sul pré-colombiana, revelam-se certas características notáveis: o motivo de uma cabeça de felino usado amplamente na decoração e uma grande gama de trabalhos em metal, que inclui a soldagem de ouro fino martelado, ornamentos e pontas de lança de cobre, trabalhos com prata e a preparação de fusões. A fundição com cera também era conhecida. (…) Dois séculos mais tarde os Incas poderiam ser descritos como uma civilização dotada de considerável tecnologia. Praticavam a irrigação e o controle da água em escala maior que seus predecessores, inventaram um método de construção com alvenaria sem cimento, usaram a alavanca e promoveram o emprego de outras ferramentas de metal, e possuíam uma balança de braços.” (4)
» O USO DOS METAIS
Provavelmente, o cobre foi descoberto por acaso, quando alguma fogueira de acampamento foi feita sobre pedras que continham minério cúprico. É presumível que algum observador neolítico de olho arguto tenha notado o metal assim derretido pelo calor do fogo, reproduzindo mais tarde o processo propositadamente. Por certo tempo o cobre foi usado na forma pura porque assim era obtido. Mas o cobre puro é por demais mole para fazer instrumentos e armas úteis. Do 4º ao 3º milênio, as técnicas de fusão e modelagem vão se sofisticando quando surge a primeira liga, o cobre arsênico, composto tão venenoso que logo terá que ser substituído. O passo seguinte foi a descoberta de que a adição ao cobre de apenas pequena proporção de estanho formava uma liga muito mais dura e muito mais útil do que o cobre puro. Era a descoberta do bronze, que possibilitou ao homem modelar uma multidão de novos e melhores utensílios: vasos, serras, espadas, escudos, machados, trombetas, sinos e outros. Mais ou menos ao mesmo tempo, o homem aprendeu a fundir ouro, prata e chumbo.
Entre 3.000 e 2.200 a.C. – época contemporânea dos sumérios e do antigo império egípcio -, a Idade do Bronze chegou para os povos neolíticos que ocupavam Creta e as Cíclades. Florescentes manufaturas de metal existiam em Creta por volta de 2500 a.C., nas Cíclades e na parte meridional do continente.
A procura dos minérios, pelos testemunhos que os egípcios, por exemplo, nos puderam deixar, foi a causa de muitas expedições guerreiras e de inúmeras rotas comerciais que favoreceram as mais diversas trocas.
» O TRABALHO DO FERRO
Uma brilhante descoberta conduz a outra, às vezes logo depois. Assim, apenas cerca de 2.000 anos após a descoberta do cobre e do bronze, o ferro também passou a ser usado. Esse novo metal já era conhecido no segundo milênio antes de Cristo, mas por longo tempo permaneceu raro e dispendioso e seu uso só foi amplamente estabelecido na Europa por volta de 500 a.C.
Ao mencionar a descoberta do ferro, ultrapassamos os limites dos tempos pré-históricos e invadimos a era da história escrita. Ao alvorecer essa nova era, a cultura, em diversos lugares, amadurecia em civilização. Após centenas de milhares de anos de lerda e tediosa preparação pré-histórica, chega o princípio da história da civilização.
O vestígio mais remoto deste metal é um conjunto de quatro esferas de ferro, datadas de 4000 a.C., encontradas em El-Gezivat, no Egito.
Por volta de 1500 a.C., havia exploração regular de minério no oriente próximo e os hititas são citados, na tradição grega, como o povo dominador das terras e da técnica de obtenção e fabrico de instrumentos de ferro.
» A TÉCNICA DE FUNDIÇÃO DO FERRO
Antes de saber como obter o ferro pela fusão de seus minérios, o homem por vezes fazia ferramentas e armas de pedaços de meteoritos de ferro batidos. A fusão começou a existir na Ásia Menor por volta de 1.500 a.C. e a arte se tornou amplamente conhecida por volta de 1.000 a.C.
Da descoberta não sabemos qual tenha sido o conjunto de acidente e intuição. Difundiu-se lentamente, primeiro até o Egito e em seguida até o Egeu, onde, mesmo nos tempos homéricos, o ferro era considerado metal raro e as armas eram feitas de cobre reluzente. O emprego do ferro alcançou a bacia do Danúbio Superior por volta de 900 a.C., sendo dessa área levado pelos celtas migrantes rumo ao Ocidente até a França e a Península Ibérica, e no sentido norte-ocidental, através da Alemanha, até as Ilhas Britânicas.
Todo o ferro primitivo seria hoje em dia classificado como ferro forjado. O método de obtê-lo “consistia em abrir um buraco em uma encosta, forrá-lo com pedras, enchê-lo com minério de ferro e madeira ou carvão vegetal e atear fogo ao combustível. Uma vez queimado todo o combustível, era encontrada uma massa porosa, pedregosa e brilhante entre as cinzas. Essa massa era colhida e batida a martelo, o que tornava o ferro compacto e expulsava as impurezas em uma chuva de fagulhas. O tarugo acabado, chamado ‘lupa’, tinha aproximadamente o tamanho de uma batata doce das grandes.
“Com o tempo, o homem aprendeu como tornar o fogo mais quente soprando-o com um fole e a construir um forno permanente de tijolos em vez de meramente fazer um buraco no chão. O aço era feito pela fusão do minério de ferro com um grande excesso de carvão vegetal ou juntando ferro maleável e carvão vegetal e cozinhando o conjunto durante vários dias, até que o ferro absorvesse carvão suficiente para se transformar em aço. Como esse processo era dispendioso e incerto e os fundidores nada sabiam da química do metal com que trabalhavam, o aço permaneceu por muitos anos um metal escasso e dispendioso. Só tinha emprego em coisas de importância vital como as lâminas das espadas.
“Entre os outros aperfeiçoamentos estavam o acréscimo de um fundente, como a pedra calcária, à mistura de minério e carvão, para absorver as impurezas do minério, a invenção das tenazes e marretas para trabalhar os tarugos de metal e a têmpera dos objetos de metal pelo seu aquecimento até à temperatura adequada com o esfriamento subsequente pelo mergulho na água.” (5)
» AS CIVILIZAÇÕES CLÁSSICAS
“Em todos os domínios, mas principalmente no domínio das técnicas industriais, as civilizações do Egito e da Mesopotâmia foram, na verdade, os ‘professores’ da Grécia. O milagre grego não surgiu do nada. Consistiu em recolher e fecundar, uma pela outra, duas heranças: a herança positiva das técnicas industriais e a herança misteriosa dos sonhos, das religiões, dos mitos do Oriente. O que é milagroso é ver nascer do encontro e choque destas tradições um espírito novo: o espírito da ciência, cujo ideal é julgar livremente todas as coisas, é encontrar a verdade.
(…) “Uma intensa procura da habilidade técnica fez de Atenas a grande escola da precisão e da perfeição, tanto no domínio das formas como no domínio das ideias.
(…) “É a ciência, nascida das livres especulações da Grécia, que permitirá ao gênio moderno transformar radicalmente a condição industrial da humanidade.
(…) “As proezas técnicas destes iniciadores diziam frequentemente respeito à arte militar. A mecânica aplicava-se já ao armamento, à balística, à defesa das praças. Mas o primeiro triunfo decisivo da técnica grega desde o século VI a.C. é um triunfo pacífico, no domínio dos trabalhos públicos; a perfuração do túnel de Samos, pelo arquiteto Eupálinos (o túnel segue em linha reta por mais de um quilômetro).
(…) “Entre as técnicas que solicitaram o entusiasmo inventivo do jovem pensamento grego figuram, em primeiro lugar, as técnicas do mar. A âncora é uma invenção grega do século VII a.C.. Nessa mesma época, os vasos de guerra eram armados com um temível ‘esporão metálico’ e equipados com cinquenta remadores para desfechar ataques rápidos e certeiros.
(…) “A sinalização não foi esquecida. O Farol de Alexandria, obra de uma técnica mais avançada, foi sempre, pelas suas dimensões e pelo seu poder (60 quilômetros de alcance), o mais célebre exemplo destes faróis, multiplicados já pelos gregos para uso dos navegadores.
(…) “A intervenção decisiva do pensamento matemático, entre os fatores do progresso industrial, produziu-se na Grécia, com a criação da ‘mecânica racional’.
Engenheiro e matemático de gênio, Arquimedes elucidou completamente o princípio geral da alavanca (…). Transformando esta velha inspiração técnica numa ideia clara e numa verdade cientificamente estabelecida, Arquimedes abriu ao espírito humano um imenso campo de deduções que podiam ser todas convertidas em novos instrumentos de trabalho material (287 – 212 a.C.).
“Quer dizer, o estudo geral do equilíbrio dos sólidos fundado nas experiências das primeiras máquinas simples(6) constitui o ponto de partida racional de todos os progressos da mecânica aplicada.
“Com a mecânica e a partir da Escola de Alexandria (desde o séc. III a.C. mas sobretudo a partir do séc. II a.C.), assiste-se à eclosão das verdadeiras técnicas modernas, isto é, instrumentos concebidos pela razão, claramente deduzidos de princípios científicos, para um fim prático preciso: instrumentos que teriam sido capazes de diminuir consideravelmente ‘o esforço dos homens’.
(…) “Destes ensaios isolados, tentativas suscitadas pela arte militar(7), a cirurgia e a medicina, a maquinaria do teatro, o transporte de materiais, destacam-se pouco a pouco ‘ideias técnicas’ muito precisas. Mas o seu interesse torna-se prodigioso quando se verifica que estas ideias técnicas descobertas pelos gregos têm, de fato, um enorme alcance industrial – e sobre elas assenta uma boa parte da nossa potência moderna. Destas ideias, uma das mais fecundas foi a do parafuso(8), da qual nasceram inúmeras invenções; é da adaptação do parafuso à porca que se constitui a chamada cavilha de ligação, ainda indispensável à nossa técnica moderna.”(9)
Este quadro mostraria a inteligência grega na posse de muitas das ideias fundamentais da técnica moderna.
“De uma maneira geral, as invenções técnicas dos gregos, com exceção talvez do moinho de água e dos instrumentos cirúrgicos, serviram mais para observação científica ou para curiosidade, para a arte ou para a guerra, do que para a transformação sistemática do trabalho humano.
“A transformação técnica do mundo, que teria talvez salvo a cultura mediterrânica, foi ignorada pela invenção grega, apesar das prodigiosas antecipações – assim como o foi pela poderosa organização romana. Estas duas grandes formas da sabedoria antiga foram hostis ao desenvolvimento industrial.
(…) “A origem desta extraordinária ‘esterilidade’ prática parece residir principalmente no fato de que a sociedade antiga não dava especial interesse à supressão da escravatura, supressão que não podia considerar nem possível(10) nem realmente desejável. Adaptados durante séculos à utilização da energia humana, os antigos, longe de pedir semelhante transformação das suas tradições econômicas, sociais, políticas e religiosas, tinham antes razão para a temer. Consciente ou inconsciente, esta reserva das civilizações clássicas em face do maquinismo é um fato notável.” (11)
» O MUNDO MEDIEVAL
Após a queda do Império Romano, desenvolveu-se na Espanha a Forja Catalã, que veio a dominar todo o processo de obtenção de ferro e aço durante a Idade Média, espalhando-se notadamente pela Alemanha, Inglaterra e França.
Desde o século VI ao século X, em pequena escala, depois sobretudo do século XI ao século XIII, a obra de “colonização” agrícola e de aproveitamento da terra foi sendo realizada. Contudo, esses esforços só conseguem um fraco rendimento, pois a técnica continua sendo primitiva.
“Com a ‘coelheira moderna’, uma invenção do século X, o cavalo tem a garganta completamente livre e pode com toda a liberdade tomar a posição mais favorável ao seu esforço. Esta invenção técnica, de extraordinária importância, foi acompanhada por uma série de aperfeiçoamentos ou de inovações que melhoraram e aumentaram os seus efeitos. Um desses diz respeito ao próprio cavalo: a ferradura de cravos, inventada, ou, talvez, reinventada, mas, em qualquer caso, sistematicamente desenvolvida na Idade Média.”(12)
“No século IV d.C. os fundidores hindus foram capazes de fundir alguns pilares de ferro que se tornaram famosos. Um deles, ainda em Déli, tem uma altura de mais de 7 metros, com outro meio metro abaixo do solo e um diâmetro que varia de 40 cm a mais de 30cm; pesa mais de 6 toneladas, é feito de ferro forjado e sua fundição teria sido considerada impossível, naquele tamanho, na Europa, até época relativamente recente. Mas a coisa mais notável, talvez, nesse e em outros pilares de sua espécie, é a ausência de deterioração ou de qualquer sinal de ferrugem (óxido magnético de ferro seria a explicação).
“De todos os trabalhos dos chineses em física – campo em que eles deram muitas contribuições importantes -, o mais significativo foi a invenção da bússola magnética. No século VI, eles descobriram que pequenas agulhas de ferro podiam ser magnetizadas caso fossem esfregadas com um pedaço de magnetita (uma forma do óxido de ferro). Tempos depois, foi adotada pelos marinheiros, e era comum nos navios chineses talvez desde o século X e, certamente, no século XI; seu uso pelos chineses para a navegação precedeu sua adoção no Ocidente em pelo menos cem anos.” (13)
» A ALQUIMIA
Na cultura árabe, a alquimia era uma “mistura de ciência, arte e magia que floresceu gradualmente até atingir uma forma inicial de química. A alquimia referia-se à transformação da substância dos objetos na presença de um agente espiritual, muitas vezes chamado de ‘pedra filosofal’. Usavam-se metais e minerais, mas se acreditava que participavam não apenas como corpos materiais, mas também como símbolos do mundo cósmico do homem – daí sua correlação, em desenhos e manuscritos de alquimia, com sinais astrológicos: por exemplo, o sinal do Sol indicava o ouro, o da Lua, a prata, enquanto o de Mercúrio significava mercúrio e Vênus, o cobre. Era uma ‘ciência’ que envolvia o cosmo e a alma, em que a natureza era um domínio sagrado, que fazia nascer minerais e metais. “(14)
A alquimia ocidental estava muito mais preocupada com a transmutação de metais não-preciosos em ouro do que a oriental.
“O ferro e o aço eram, nos tempos mais antigos, considerados inteiramente à parte como substâncias diversas. Mas, assim como o alquimista medieval tentou transformar os metais básicos em ouro, assim também o trabalhador do ferro fez a tentativa – com êxito algo maior – de transformar o ferro em aço. Mas praticava ele apenas uma forma bem sucedida de alquimia. Transformava uma substância em outra por métodos mais mágicos do que científicos. O seguinte trecho de um tratado medieval que descreve a manufatura de uma lima de aço denota o ambiente de magia que cercava o que na realidade constituía um processo metalúrgico simplíssimo:
‘Queima-se o chifre de um boi no fogo, raspando-o e misturando-o com uma terça parte de sal e em seguida moendo-o bem. Depois coloca-se a lima no fogo e quando brilhar salpica-se esse preparado por toda ela, e, aplicando-se algumas brasas, sopra-se rapidamente sobre ela, mas de tal forma que a têmpera não caia… arrefecendo-a na água.’
“Expresso em termos mais técnicos, o processo descrito por Teófilo consistia em acrescentar-se carbono e aquecê-lo até que o ferro tivesse absorvido ou dissolvido bastante carbono para adquirir as características do aço.
“Assim, da aurora da Idade do Ferro até a última parte da Idade Média, o ferro era feito na fornalha ou ‘forja para fiar o ferro’. Ocasionalmente resultava o aço, conhecido como aço ‘natural’, porém o que de modo geral se obtinha era o ferro doce e soldável, rico em escória e impurezas. Ainda considerado um metal raro, o ferro era empregado, naturalmente, para ferramentas, armas e armaduras. Com bastante frequência, apenas a relha de um arado pesado e a ponta da lâmina eram de ferro. Pequena parcela era empregada nos grandes prédios da época clássica e medieval, muitas vezes sob a forma de grades de ferro ornamental. Mas o ferro era desconhecido na cozinha. O marceneiro geralmente tinha que trabalhar sem pregos; o arame era raro e uma agulha era quase considerada uma herança. Contudo, a fabricação do ferro processou-se largamente na Europa medieval, se não no resto do mundo antigo.”(15)
Permanece a verdade geral de que, antes do séc. XV, o ferro era obtido na Europa como uma massa pastosa que podia ser moldada pelo uso do martelo e não como um líquido que corresse para um molde.
“O fim da Idade Média, que prepara a Europa moderna pela extensão do maquinismo, é também testemunha das primeiras intervenções do capitalismo no esforço para a produção industrial.
“Esta evolução é acompanhada por grandes progressos técnicos, especialmente no que se refere aos transportes marítimos. Um impulso semelhante se observa no progresso da metalurgia. A força hidráulica foi aplicada aos foles da forja a partir dos princípios do século XIII. Assim se obteve uma temperatura mais elevada e regular. A carburação mais ativa deu a fundição, correndo na base do forno o ferro fundido susceptível de fornecer peças moldadas. O forno, que, a partir de então, se pôde ampliar, transformou-se no forno de fole (3 m de altura) e em seguida, no alto-forno (5 m de altura).”(16)
“O progresso técnico mais importante na história da indústria siderúrgica foi a invenção do alto-forno. Contudo, este não foi a criação de um gênio inventivo, tendo-se desenvolvido gradualmente a partir da forja para fiar o ferro. As altas paredes desse alto-forno rudimentar impediam que o lingote fosse retirado por cima. Ao invés, arrebentavam-se as próprias paredes e removia-se a massa de ferro, sendo o forno reconstruído para receber outra carga. O primeiro alto-forno foi construído no século XV. Desconhecem-se o tempo e o local exatos, embora provavelmente tivesse sido na Renânia. A invenção alterou a escala e natureza do trabalho em ferro.”(17)
“Outra grande contribuição desse período consistiu na obtenção de caracteres tipográficos metálicos móveis, bastante nítidos, susceptíveis de resistir à pressão e ao desgaste e de serem obtidos em número suficiente de maneira a permitir um resultado industrial. É o início da imprensa moderna, sem dúvida, um dos maiores impulsos ao Renascimento.
(…) “Desde o fim da Idade Média que o emprego do ferro fundido, o uso do arame e dos cabos metálicos dava ao equipamento técnico uma feição moderna completada pelo uso de correias para transmissões mecânicas e pelo aperfeiçoamento das ligas metálicas.”(18)
» A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA
O alto-forno a carvão mineral apareceu por volta de 1630. O primeiro laminador remonta aproximadamente ao ano 1700. O processo de refinação do ferro chamado pudlagem foi patenteado na Inglaterra em 1781 por Henry Cort, difundindo-se com rapidez bem inusitada. A pudlagem é descrita como a mais pesada forma de trabalho jamais empreendida regularmente pelo homem. Entretanto, o grande impulso ao desenvolvimento da siderurgia ocorreu com o advento da tração a vapor e o surgimento das ferrovias, a primeira das quais inaugurada em 1827.
Até o fim do século XVIII, a maior parte das máquinas industriais eram feitas de madeira. O rápido desenvolvimento dos métodos de refinação e de trabalho do ferro abriu caminho a novas utilizações do metal e à construção de máquinas industriais e, por consequência, à produção em quantidade de objetos metálicos de uso geral. A verdadeira máquina é de metal: o desenvolvimento da metalurgia condicionará todo o desenvolvimento do maquinismo.
Em meio às guerras napoleônicas desenvolve-se a técnica do aço de cadinho. Krupp é um dos reivindicantes da patente ao fim da guerra em 1815. Mas o aço de cadinho só podia ser feito em quantidades relativamente pequenas, sendo o seu custo particularmente elevado.
» A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Entre as descobertas científicas, que gradativamente iam melhorando o processo de produção industrial, merece destaque a “utilização do carvão de pedra para redução do minério de ferro, que resultou na localização dos complexos siderúrgicos – independente da localização das florestas fornecedoras do carvão de lenha – e que veio determinar, por privilégios geológicos, o pioneirismo de uma nação na siderurgia. A Grã-Bretanha foi, realmente, a maior beneficiária dessa conquista científica, em razão de possuir, em territórios economicamente próximos, jazidas de minério de ferro e de carvão de pedra.
“Junte-se a isto toda uma estrutura comercial voltada para o exterior e já se pode vislumbrar o perfil de um país que, praticamente sozinho, foi capaz de deter o privilégio de domínio do mercado internacional de ferro, a ponto de ter sido considerada a ‘oficina mecânica do mundo’. Na Grã-Bretanha, na realidade, somente a indústria têxtil suplantou a indústria do ferro, na promissora aurora da Revolução Industrial.
(…) “Apesar de não ser o único país a produzir ferro, foi o primeiro a produzi-lo em escala considerável e se beneficiou do monopólio das relações comerciais com o mundo subdesenvolvido, monopólio esse que estabeleceu entre fins do século XVIII e início do século XIX.”(19)
A expansão da Revolução Industrial modificou totalmente a metalurgia e o mundo: o uso de máquinas a vapor para injeção de ar no alto-forno, laminares, tornos mecânicos e o aumento de produção transformaram o ferro e o aço no mais importante material de construção. Em 1779, construiu-se a primeira ponte de ferro, em Coalbrookdale, Inglaterra; em 1787, o primeiro barco de chapas de ferro e muitas outras inovações.
“Nenhum dos novos usos do ferro, no entanto, contribuiu de maneira mais decisiva para o desenvolvimento da indústria siderúrgica, do que as ferrovias.
“Somente na década de 1830, graças às encomendas das ferrovias à indústria siderúrgica, a indústria britânica retomou o ritmo de crescimento da última década do século XVIII.”(20). Exatamente em 1830, entra em operação a ferrovia Liverpool-Manchester.
“O auge da atividade de construção ferroviária se deu em 1847, quando a construção de 10.000 km de ferrovias estava em andamento. Por volta da década de 1850, este período havia passado, e a estrutura básica da rede ferroviária britânica havia sido estabelecida.
“Quando a rede ferroviária britânica tinha sido completada, a indústria siderúrgica ampliada foi capaz de suprir matéria-prima para a construção de ferrovias em outros países. Já em 1850 as exportações atingiram 39% do produto bruto da indústria – durante a primeira metade do século eram em média de apenas 25%.
“Os investimentos britânicos em ferrovias, fora da Inglaterra, foram o carro-chefe das exportações durante toda a segunda metade do século XIX, representando às vésperas da 1ª Grande Guerra, em 1913, 41% dos investimentos ultramarinos.
“O crescimento da indústria siderúrgica, certamente promovido pela implantação das redes ferroviárias, não somente britânicas como também europeias, ensejou a perspectiva de produção de ferro e aço em uma escala nunca vista anteriormente.
(…) “Tendo pois, praticamente, concluída sua rede ferroviária, a Grã-Bretanha passou a construir cada vez menos, enquanto crescia a construção de ferrovias na Europa, e nos demais continentes, com destaque para os Estados Unidos que, na década de 1870, construiu 51.000 milhas de estradas de ferro, o que representava tanto quanto havia sido construído, na mesma época, no resto do mundo. Na realidade, a Grã-Bretanha já não estava mais sozinha na exploração do mercado mundial.
“Os mercados aproximavam-se da saturação, pois, com suas economias incipientes e dependentes, não tinham capacidade de absorver a produção crescente da indústria britânica. Enquanto isso, os Estados Unidos continuavam com sua produção crescente, já que visavam quase que exclusivamente o mercado interno, de dimensões continentais.
“A situação econômica da Grã-Bretanha se deteriorava a tal ponto que os Estados Unidos e a Alemanha, no início da década de 1890, já ultrapassavam a indústria britânica na sua mercadoria essencial – o aço.
“Assim, o desenvolvimento da indústria siderúrgica criava sua própria crise e, dessa vez tão séria, a ponto de ser chamada de a ‘Grande Depressão’. O último quarto do século XIX foi, portanto, caracterizado pela agressão institucionalizada, agora sob a forma do imperialismo, fórmula encontrada para garantir os mercados e prolongar o domínio econômico.
“A siderurgia britânica tinha no entanto muito fôlego e, graças à fabricação de navios a vapor de ferro e aço e à exportação de produtos siderúrgicos, manteve-se ainda em condições de concorrer com outros países.”(21)
Na década de 1880-90 a produção dos altos-fornos dos Estados Unidos tornou-se a maior do mundo, e antes de 1900 a produção de aço norte-americana ultrapassou a da sua rival mais próxima, a Alemanha. Desde aquela data as indústrias siderúrgicas do continente norte-americano ampliaram-se num ritmo extraordinário. Em 1957, os Estados Unidos e o Canadá produziram, conjuntamente, 36,6% do ferro gusa e 36,5% do aço bruto do mundo. O rival mais próximo, a União Soviética, produziu consideravelmente menos da metade desse total.
Na segunda metade do século XIX o desenvolvimento siderúrgico foi muito rápido, aparecendo os processos Siemens Martin (1865), Bessemer (1870) e Thomas (1888), de obtenção do aço em escala industrial. Outro método de fabricação do aço que ganhou ampla aceitação é o forno elétrico. Mas, devido às suas pesadas demandas de energia, é de operação dispendiosa. Embora seja capaz de fabricar o aço a partir do ferro gusa, é normalmente utilizado para o ulterior refino do metal já refinado.
O trabalho do aço, base da nossa civilização, é agora seguido, passo a passo, pelo controle dos instrumentos científicos, tanto na medida das temperaturas como no exame microscópico dos produtos obtidos.
Atualmente o processo mais usado na obtenção do aço é o processo LD (Linz-Donawitz) e, nas aciarias espalhadas pelo mundo, são produzidas centenas de milhões de toneladas por ano (a marca de um milhão de toneladas por ano foi conseguida em 1876; em 1926, já se fabricava cem milhões de toneladas/ano, chegando-se atualmente a níveis de 700 milhões de toneladas, ou mais) de aços das mais diversas qualidades e propriedades mecânicas, sob a forma de chapas, perfis, barras, tubos, trilhos, etc.
» O FERRO E O AÇO NA CONSTRUÇÃO
“Há um momento na História em que o ferro passa a ser empregado com tão diversificados fins, dentre eles a construção de edifícios, que é inevitável o registro desse material como um fator essencial para as transformações de toda ordem por que passou a sociedade. Este momento é o século XIX.
(…) “Já no final do século XVIII, por ocasião do que se convencionou chamar de Primeira Revolução Industrial, o ferro, entre outros produtos industriais, surgiu como um material em condições de competir com os materiais de construção conhecidos e sacralizados até então, no que se refere a preço e outras qualidades.
(…) “O ferro esteve presente, a princípio timidamente, e posteriormente com mais intensidade, como material de construção de uso considerável, a ponto de se falar em uma arquitetura do ferro.
“Esta arquitetura existiu nos países europeus que se desenvolveram com a Revolução Industrial, nos Estados Unidos da América do Norte, e se manifestou praticamente em todo o mundo durante o século XIX.
(…) “A urbanização, acentuada nos países em fase de industrialização, mas também evidente em portos que, apesar de situados em regiões subdesenvolvidas, desempenhavam importante papel para a comercialização dos produtos industrializados, foi um fator decisivo para o surgimento de necessidades, que teriam de ser atendidas por novos edifícios e novos serviços. Em determinado momento, se chegou a pensar que o ferro viria substituir quase todos os materiais até então existentes. Em Londres, chegou a ser experimentado um tipo de pavimentação com esse material.
“É bem verdade que também existia, por parte dos produtores, uma incontida ansiedade por provar a viabilidade do novo material, justificada pelos desejados lucros nos negócios de produção das encomendas.”(22)
Com o aparecimento das ferrovias surgiu a necessidade de se construírem numerosas pontes e estações ferroviárias, tendo sido estas as duas primeiras grandes aplicações do ferro nas construções. As pontes metálicas eram feitas inicialmente com ferro fundido, depois com aço forjado e posteriormente passaram a ser construídas com aço laminado.
“Na realidade, não se deve atribuir somente às potencialidades plásticas do ferro fundido, nem às possibilidades estruturais do aço, o teor revolucionário do novo material. O que o ferro tinha de mais novo era a sua escala de produção, que era industrial, e que se contrapunha a todo um processo de execução das construções até então.”(23)
Algumas obras notáveis, de estrutura metálica, ainda em uso: a já referida ponte Coalbrookdale (Inglaterra), em ferro fundido, vão de 31 m, construída em 1779; Britannia Bridge (Inglaterra), viga caixão, com dois vãos centrais de 140 m, construída em 1850; Brooklin Bridge (New York), a primeira das grandes pontes pênseis, 486 m de vão livre, construída em 1883; ponte ferroviária Firth of Forth (Escócia), viga Gerber com 521 m de vão livre, construída em 1890; Torre Eiffel (Paris), 312 m de altura, construída em 1889; Empire State Building (New York), 380 m de altura, construído em 1933; Golden Gate Bridge (San Francisco), ponte pênsil com 1280 m de vão livre, construída em 1937; Verrazano – Narrows Bridge (New York), ponte pênsil com 1298 m de vão livre, construída em 1964 e World Trade Center (New York), 410 m de altura, 110 andares, construído em 1972.
“O Palácio de Cristal é a pedra de toque dos meados do século XIX e o que aponta em direção ao século XX. O Palácio de Cristal era inteiramente de ferro e vidro, foi projetado por um não arquiteto e foi desenhado para produção em escala industrial de suas partes. É, em certo sentido, uma origem, mas também ele teve suas origens, que nos levam de volta ao século XVIII. O emprego do ferro na arquitetura começa na França de 1780 com Soufflot e Victor Luis, voltados especialmente para a construção de teatros à prova de fogo e, na Inglaterra de 1790, com industriais que, agindo como seus próprios designers, tencionavam construir fábricas também à prova de fogo. Em ambos os casos, o ferro foi um expediente de significado altamente utilitário, mas não estético. Surgiu quase que por acaso em interiores, em construções românticas como o Pavilhão Real de Nash, em Brighton (1815-1820), e de maneira formal e externamente nas grandes pontes do mesmo período. A primeira ponte de ferro foi projetada em 1777 – a Ponte Coalbrookdale, na Inglaterra. Tem um vão de 100 pés (30 metros). Foi logo superada pela ponte em Sunderland (1793-1796), com 206 pés (63 metros) e pela Ponte Schuylkill, de James Finley (1809), com 306 pés (93 metros).
“Alguns arquitetos, no decorrer do século XIX – Matthew Digby Wyatt entre eles -, situam essas obras entre as estruturas mais bonitas do século. A partir da união do ferro e do vidro, Wyatt prevê, ainda em 1851, uma ‘nova era na arquitetura’.
“Por essa época, alguns dos mais ousados arquitetos de renome começaram a prestar atenção ao ferro; a Biblioteca de Ste. Geneviève de Paris, feita por Labrouste (1843-1850), e a Bolsa de Carvão de Londres, feita por Bunning (1846-1849), são os primeiros edifícios cujo caráter estético é determinado pelo ferro.
“Mas, de um momento para o outro, os Estados Unidos tinham deixado todo o mundo para trás. Fizeram isso desenvolvendo primeiramente o arranha-céu e, depois, descobrindo um estilo novo para ele. Em 1875, em Nova York, o Tribune Building, de Hunt, se elevava a 260 pés (quase 80 metros); em 1890, o Pulitzer World Building, de Post, chegava a 375 pés (mais de 110 metros).”(24)
“O que se convencionou chamar de Escola de Chicago costuma aparecer como um episódio isolado na história da arquitetura, e até mesmo surpreendente. Esquece-se de que os Estados Unidos da América do Norte produziram ferro com relativa abundância a partir de meados do século XIX, já conheciam e utilizavam os modelos (estruturas em ferro fundido) criados para resolver os problemas de riscos de incêndio em fábricas de tecido inglesas.”(25)
“Chicago, uma cidade mais nova que New York, e onde as tradições não tinham importância, acrescentou ao padrão de seus arranha-céus a inovação de grande amplitude, de aplicar o sistema de estrutura de ferro, originalmente utilizado para fábricas. Isso foi feito pela primeira vez por William Le Baron Jenney no Home Insurance Building (1833-1885).
“A importância da Escola de Chicago é tripla. Encara-se, com mente aberta, a tarefa de construir edifícios comerciais, e encontra-se a melhor solução em termos funcionais. Surgiu uma técnica de construção não-tradicional para preencher as necessidades do trabalho, e ela foi imediatamente aceita.”(26)
O triunfo da arquitetura em ferro chegou também na França, na exposição de 1889, centrado na conquista de novos materiais por novos arquitetos. “A Torre Eiffel, por sua altura e localização, tornava-se imediatamente um dos principais componentes da cena arquitetônica de Paris.”(27).
As principais aplicações das estruturas de aço na atualidade:
pontes ferroviárias e rodoviárias
edifícios industriais, comerciais e residenciais
- galpões, hangares, garagens e estações
- coberturas de grandes vãos em geral – torres de transmissão e subestações
- torres para antenas
- chaminés industriais
- plataformas offshore
- construção naval
- construções hidromecânicas
- silos industriais
- vasos de pressão
- guindastes e pontes-rolantes
- instalações para exploração e tratamento de minério
- parques de diversões
- etc.
» FERRO E AÇO NO BRASIL
A atividade metalúrgica no início da colonização é exercida pelos artífices ferreiros, caldeireiros, funileiros, latoeiros, sempre presentes nos grupos de portugueses que desembarcavam nas recém-fundadas capitanias. “Por um lado, o artífice rapidamente ampliava suas atividades tornando-se fazendeiro, preador de índios ou comerciante e, por outro, as normas de aprendizado eram abandonadas, especialmente a proibição de acesso de índios e escravos ao ofício. A Câmara paulistana, ainda nos anos de 1500, advertiu seguidas vezes seus ferreiros para que isso não acontecesse: como evitar, entretanto, que o ferreiro ensinasse a seu filho bastardo mameluco o seu ofício? Surpreendente é a justificativa da advertência: ‘O temor de que os índios viessem a substituir por armas de ferro os toscos tacapes, machados de pedra e farpas ósseas das flechas’, ameaçando as comunidades.
“A matéria-prima sempre foi importada e rara. Assim, os engenhos de açúcar tinham na madeira seu principal material de construção, e metais só entravam nas operações absolutamente imprescindíveis, como os tachos de cobre para o cozimento do melaço, machados, enxadas e foices de ferro.”(28)
“Quanto ao ferro é certo que dele se fundiu enquanto houve fábrica em Santo Amaro, nas proximidades de São Paulo (as forjas da região de Biraçoiaba, anteriores a essa fábrica, segundo alguns textos, e onde o ferro de início passava por prata, só surgiram, de fato, mais tarde) entre 1607 e depois de 1620: era um ferro brando, mais brando que o de Biscaia, talvez por menos temperado, segundo um papel que consta do Livro Primeiro do Governo do Brasil. Cabe ao menos certa importância histórica ao engenho de Santo Amaro, por ser, cronologicamente, o mais antigo de que há notícia no hemisfério ocidental, embora ao de Jamestown, na Virgínia, se dê comumente essa primazia.” (29)
“O minério de ferro foi identificado e explorado desde o século XVI, como atestam as atas da Câmara de São Paulo. Sobre essas primeiras explorações, o Barão Eschwege dá notícia, sem precisar, entretanto, o processo utilizado para a obtenção do ferro.
(…) “No século XVII temos referência a forjas em Santana do Parnaíba (São Paulo), Santo Ângelo (Missiones), e do governador do Maranhão solicitando recursos para a instalação de engenho de ferro, negado pela Coroa sob a alegação de que não convinha continuar a manufatura dele, porque se o gentio o encontrasse com maior abundância no sertão, instruídos pelos que fugissem da cidade, fácil seria fabricá-lo, o que é um grave dano ao comércio do Reino, por ser o ferro a melhor droga que dele podia vir.
(…) “Por sua vez, Sérgio Buarque de Holanda fala em ‘fornos catalães’. E não podemos deixar de assinalar primitivos metalurgistas africanos, como aliás, em outras ocasiões, o autor alemão não deixa de anotar, no tocante a técnicas e utensílios trazidos pelos próprios escravos.
(…) “O ferro forjado produzido no Brasil, cuja destinação maior seria para utensílios, ferragens e armas de fogo, além de não ultrapassar volume extremamente reduzido, devido à dispersão da população, ainda era de qualidade muito baixa, com alto teor de carbono e de escória, produzindo um ferro quebradiço e pouco maleável, de difícil estiramento.
(…) “Essa situação seria alterada somente com a vinda da Família Real, quando duas ambiciosas empresas foram elaboradas, ambas com pesados investimentos estatais: o intendente Câmara, em 1808, construiu altos-fornos em Serro Frio (Minas Gerais) e Varnhagen, na mesma época, procurou instalar uma grande siderúrgica em Ipanema (Sorocaba), próxima às antigas instalações quinhentistas de Afonso Sardinha.”(30)
Mas, como o Barão de Eschwege observou, essas tentativas fracassaram pela fragilidade do mercado local. Para este, as pequenas forjas eram mais do que suficientes.
“A utilização de produtos de ferro e aço se limitava, na primeira metade do século XIX, a ferramentas de cultivo da terra e posteriormente, à instalação de engenhos centrais de açúcar. Esta uma inovação trazida pelos europeus para agilizar uma produção que ainda justificava investimentos, em função dos preços compensadores no mercado internacional e até mesmo para baixar o custo de produção, pela sua racionalização. Assim, os ingleses tentaram inclusive instalar no Brasil indústrias de ferro, experiências frustradas também em função da concorrência com produtos similares importados da Inglaterra e da França.(…) Dentre elas, se destaca a Fundição d’Aurora, a ‘Aurora Foundry’ ou ‘Starr & Cia.’, fundada em 1829 pelo inglês Christopher Starr, e que funcionou no Recife até 1873.”(31)
» ESTRUTURAS METÁLICAS NA CONSTRUÇÃO
“No século XIX, os ingleses dominaram os serviços públicos no Brasil. Quase sempre instalavam esses serviços às próprias expensas. Adquiriam a concessão da exploração por um tempo determinado, suficiente para ressarcir as despesas com o investimento, os custos de manutenção, os honorários e os lucros. É possível, portanto, que eles procurassem maximizar o investimento inicial, visando uma concessão mais longa de exploração dos serviços. É provável também que alguns itens desse investimento inicial não tivessem de ser necessariamente importados, mesmo considerando que muitos produtos industriais para construção civil aqui chegavam com melhor qualidade e melhor preço do que os similares brasileiros.
“Um serviço, instalado no Brasil e monopolizado por firmas inglesas, foram as ferrovias, monopólio esse somente rompido no fim do século XIX, pelo concurso dos belgas, mesmo assim para pequenos ramais.
“A partir da metade do século, foram construídas várias estradas de ferro no país, para servir essencialmente aos propósitos da exportação de produtos agrícolas. As linhas construídas não eram locadas com os objetivos de facilitar os transportes de pessoas e mercadorias, servir a rede urbana existente e promover o seu desenvolvimento. Visavam, primordialmente, o escoamento da produção local para os portos de exportação. De qualquer forma, desempenharam importante papel no desenvolvimento local. Foi o caso das estradas de ferro que transportaram café, açúcar e algodão para os portos de Santos, Rio de Janeiro, Recife, etc.
“A arquitetura ferroviária – que tantas esperanças despertara na Europa entre os poucos críticos de arte de vanguarda, também se manifestou aqui, repetindo, sem grandes variações e com raras exceções, os modelos europeus.
“As poucas exceções se constituíram nas estações em ferro corrugado na Cantagalo Railway, no Estado do Rio de Janeiro.(…) Outra estação que foge à regra geral é a de Bananal em São Paulo.
“Bananal, pequena cidade (…) próxima à fronteira com o Estado do Rio de Janeiro, notabilizou-se no século passado pela produção do café. Apesar da sua importância para a economia do Estado, a cidade ficou à margem da linha ferroviária Rio-São Paulo. Os fazendeiros de café decidiram, então, mandar construir uma estrada de ferro ligando a cidade a Barra Mansa, local onde passava a estrada Rio-São Paulo, e daí aos portos por onde escoariam a sua produção.
“Constituiu-se portanto, em 1880, a Companhia Estrada de Ferro Bananal, que contratou as obras com José Leite Figueiredo. A abolição da escravatura não só interrompeu as obras como também liquidou a empresa.(…) Coube aos engenheiros José Caetano Horta Barbosa e Machado da Costa concluir as obras iniciadas em 1880. Assim, em outubro de 1888, chegou a Bananal a estação ferroviária que ali seria montada.
“De fato, esta é uma estação singular no Brasil e, talvez, no mundo. Ainda não foi possível localizar outra edificação com essa mesma função e com a mesma forma.
“Em 1918 esse ramal ferroviário passou a pertencer à União. Mais tarde foi desativado. Hoje, não existem sequer os trilhos. A ‘elegantíssima’ estação deu lugar a um depósito de uma empresa pública. Isto enquanto não é restaurada, propósito que vem sendo anunciado já há algum tempo, mas que não se efetiva.
“(…) A mais sensacional das estações é, contudo, a da Luz, no centro da cidade de São Paulo. Com algumas modificações, feitas após um incêndio, a estação é, fundamentalmente, a mesma que se terminou de construir em 1901 e que, imponentemente, marcava a paisagem da capital paulista.
“(…) Dentre os edifícios pré-fabricados em ferro, importados pelo Brasil, nenhum tipo foi tão útil e tão disseminado quanto os mercados públicos.
“O Mercado de São José, no Recife, sem dúvida, é o mais antigo mercado de ferro existente no Brasil e, provavelmente, o pioneiro. A sua montagem final foi concluída em 1875 e está situado no bairro de São José. (…) O mercado jamais deixou de funcionar, desde o dia de sua inauguração.
“O Mercado de Peixe, em Belém, por muito tempo conhecido como o Mercado de Ferro, foi inaugurado em 1º de dezembro de 1901 (…). Não se conseguiu precisar a origem da estrutura metálica do edifício, embora se possa asseverar, dado às circunstâncias regionais, que tenha sido importada.
“O mercado continua em funcionamento e, com suas torres bizarras, é presença obrigatória nos cartões-postais da cidade de Belém.
“O Mercado Municipal do Rio de Janeiro foi o maior de todos os edifícios de ferro montados no Brasil, de origem européia.(…) Na década de 1950, o mercado municipal foi destruído para a construção de um viaduto, parte de uma das novas avenidas construídas para desafogar o tráfego de veículos automotores.
“(…) Passados trinta e três anos do estrondoso sucesso do Palácio de Cristal de Londres, o Brasil também inaugurou o seu. Certamente, a denominação que o edifício recebeu aqui se deve à similaridade do material empregado nos dois pavilhões e aos efeitos plásticos conseguidos, mantidas as devidas proporções.
“O edifício existe hoje, no mesmo lugar onde foi primitivamente montado: numa praça situada na confluência dos rios Piabanha e Quitandinha, na cidade de Petrópolis.(…) Restaurado recentemente, abriga exposições temporárias de arte, cumprindo objetivos propostos há um século. É todo em ferro e vidro.”(32)
É no Brasil que os programas mais ambiciosos foram elaborados para o desenvolvimento das indústrias siderúrgicas. O Brasil conta com a maior população de qualquer país latino americano bem como com o maior consumo de produtos de aço. Possui, além disso, as mais altas jazidas de minério de alto teor do continente, e também generosa parcela dos escassos recursos carboníferos da América Latina. Antes da Segunda Grande Guerra, existiam várias pequenas empresas siderúrgicas, com uma produção conjunta inferior a 100.000 toneladas de aço. Achava-se localizada perto das jazidas de minério de Itabira, sendo que algumas das usinas utilizavam carvão vegetal como combustível.
Em 1940, constitui-se a CSN com o objetivo de construir-se uma grande usina moderna integrada. “O país importava praticamente todo o aço de que necessitava, tanto que as instalações industriais da própria CSN foram construídas com estruturas fornecidas por empresas estrangeiras. (…) Não é de estranhar que a falta de tradição no uso das estruturas metálicas tenha levado a CSN, em 1950, a encontrar dificuldades na comercialização dos produtos de sua linha de perfis pesados.
“A entrada em operação, nos anos sessenta, da Cosipa – Companhia Siderúrgica Paulista – e da Usiminas – Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – favoreceu uma notável expansão da oferta de produtos laminados planos no mercado.
“Na década seguinte a indústria siderúrgica se consolidaria como indústria de base, diminuindo consideravelmente as importações de produtos siderúrgicos.
“Com a ampliação e a modernização das nossas usinas, processou-se um efeito multiplicador que permitiu alcançar elevados índices de produtividade e de qualidade. Passamos da tradicional condição de importadores para a de exportadores de aço.”(33)
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